Jorge Alves
O capitalismo surgiu no século XV, na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, a partir da decadência do sistema feudal e do nascimento de uma nova classe social, a burguesia, gerada a partir do comércio e da circulação de mercadorias.
A palavra capital vem do latim capitale e significa “cabeça”, no qual faz alusão às cabeças de gado, ou seja, uma das medidas de riqueza nos tempos antigos. Atualmente, capital está relacionado diretamente com o dinheiro ou crédito.
O sistema capitalista é um sistema económico e social baseado no direito à propriedade privada, no lucro e na acumulação de capital. Consolidou-se a partir das revoluções burguesas ocorridas nos séculos XVII e XVIII e, da revolução industrial, que instituiu um novo modo de produção.
Também conhecido como economia de mercado, o capitalismo opera através das leis da livre iniciativa, da livre concorrência e das leis da oferta e da procura.
O surgimento de novas técnicas de fabricação e o aumento da urbanização possibilitaram a mudança do modo de produção e permitiram o barateamento e o melhor atendimento às demandas de mercadorias.
A melhoria dos meios de transporte, principalmente o marítimo, possibilitou a chegada desses produtos a territórios distantes e o estabelecimento de rotas comerciais.
Desde então, o capitalismo sofreu uma série de transformações, mas manteve sua base fundamental e as principais características.
A Revolução Industrial foi um processo de grandes transformações sociais e económicas que começou na Inglaterra no século XVIII.
O modo de produção industrial, que se espalhou por grande parte do hemisfério Norte durante todo o século XIX e início do século XX, é caracterizada como um processo que levou à substituição das ferramentas pelas máquinas, da energia humana pela energia motriz e do modo de produção doméstico (ou artesanal) pelo sistema fabril.
O advento da produção mecanizada em larga escala deu início às transformações dos países da Europa e da América do Norte, que se tornaram predominantemente industriais, com a consequente transferência das populações para as cidades.
Produzir mercadorias ficou mais barato e acessível, porém trouxe a desorganização da vida rural e estragos ao meio ambiente com efeitos diretos nas alterações climáticas, que estão hoje amplamente estudados e comprovados.
No início de século XX ainda não havia consciência dos efeitos nefastos que os excessos na produção iriam ter no planeta que, a longo prazo seriam insustentáveis pois, o crescimento infinito não é compatível com um planeta finito.
Comprar e consumir é a melhor forma de movimentar a economia. Este era o lema dos empresários após a grande depressão. Para manter o sistema era preciso produzir cada vez mais, para poder aumentar as fábricas e assim ter cada vez mais pessoas empregadas que, embora os ordenados fossem parcos, sempre iriam aumentar o número de consumidores.
A obsolescência programada, foi a base do crescimento económico em que o mundo ocidental viveu desde 1950. Desde essa data o crescimento tem sido o objetivo sagrado da economia.
A lógica não é crescer para atender à procura, mas sim, criar novos hábitos que façam aumentar a procura, isto é consumir por consumir. Os produtos são tratados como meros objetos de desejo instantâneo, que rapidamente são descartados ou programados, na medida em que há uma limitação da duração de vida útil do produto, utilizando materiais com menor durabilidade ou colocando um dispositivo para controlar a vida útil do equipamento.
Uma conhecida marca de equipamentos eletrónicos, introduziu nas impressoras um “chip” que memoriza o número de impressões, quando chega a determinado valor bloqueia a máquina e esta para. Se for ao representante este diz que não há nada a fazer, tem que comprar uma nova. Esta é uma situação porque já passei.
Por mais que os progressos técnicos, juntamente com a mobilização social, tenham contribuído para reduzir a insustentabilidade de alguns dos mais importantes processos produtivos atuais, a verdade é que o consumo de materiais, de energia e as emissões de gases de efeito estufa não cessam de aumentar: os ganhos de eficiência foram globalmente mais que contrabalançados pela elevação espetacular do consumo, ficando evidente que a trajetória atual das sociedades humanas é insustentável. O progresso tem significado o regresso ambiental.
Paul Crutzen, cientista holandês prêmio Nobel de Química de 1995, avaliando o grau do impacto ambientalmente destruidor das atividades humanas afirmou que o mundo entrou em uma nova era geológica: a do Antropoceno, termo este que representa um novo período da história da Terra em que o ser humano se tornou a causa da escalada global da mudança ambiental. Nas últimas seis décadas, na medida em que o PIB mundial crescia e os recursos naturais eram canalizados para o desfrute do consumo e do bem-estar humanos, houve uma investida exponencial sobre todos os ecossistemas do Planeta.
O planeta tem sofrido uma aceleração do aquecimento global, com a fusão de gelo e glaciares, que origina a subida do nível das águas do mar, bem como o aumento da frequência e duração de secas e ondas de calor.
A intensidade e quantidade de fenómenos meteorológicos extremos é cada vez maior, há uma crescente acidificação dos oceanos, que acresce a outras pressões humanas sobre o mar, como a sobrepesca, a poluição e os plásticos.
Os ecossistemas são fortemente afetados, com a alteração do equilíbrio das espécies e dos habitats, a perda de biodiversidade e um impacto económico, social e ambiental de grandes proporções.
A crise climática é, assim, parte de uma crise ambiental e de sustentabilidade mais alargada, em que a Humanidade se tem afastado da Natureza e vivido no curto-prazo, como se os recursos fossem ilimitados.
Apesar de terem quase nula responsabilidade pelas alterações climáticas, as regiões, países e populações mais pobres são os que sofrem maiores impactos negativos.
Com efeito, desde a era industrial, os países mais desenvolvidos foram os grandes responsáveis pela emissão e concentração de gases com efeito de estufa (GEE) na atmosfera e pelo consequente aquecimento global, devido aos modelos de crescimento insustentáveis, assentes na exploração de recursos altamente poluentes.
Mesmo atualmente, embora o maior emissor mundial seja um país em desenvolvimento (a China), os países de rendimentos mais baixos são responsáveis por apenas 6% das emissões globais de GEE.
Estes países estão situados em África e na Ásia que são as regiões mais afetadas pelas maiores variações de temperatura e por efeitos nefastos das alterações climáticas no desenvolvimento. Acresce a este cenário o facto de estes países serem também os que têm menores capacidades – financeiras, institucionais, tecnológicas, humanas – para formular e implementar respostas de adaptação que lhes permitam mitigar os efeitos das alterações climáticas nas suas economias e sociedades.
As alterações climáticas constituem, um desafio de desenvolvimento e de Direitos Humanos, na medida em que afetam o direito à alimentação, à saúde, à habitação, ou aos meios básicos de subsistência.
Em parte, os impactos são desproporcionais nos países menos desenvolvidos devido às características destas economias, em que há uma forte proporção da população dependente das colheitas agrícolas, dos rendimentos derivados das florestas e de outros recursos naturais.
Mais de dois mil milhões de pessoas vivem já em países com um nível elevado de insuficiência hídrica. Com a desflorestação, as comunidades pobres que dependem das florestas são as mais afetadas; com as crescentes secas, desertificação e aceleração da erosão e degradação dos solos gera-se maior escassez de água, imprevisibilidade da produção agrícola e outros fatores, que originam perda de meios de subsistência e podem contribuir para um aumento do preço dos alimentos, para a fome, desnutrição e insegurança alimentar.
Segundo o relatório da organização “Global Commission on Adaptation”, as alterações climáticas podem empurrar mais de 100 milhões de pessoas para a pobreza extrema até 2030 e o rendimento das culturas pode diminuir 5 a 30 % até 2050, deixando as zonas particularmente vulneráveis em situação de insegurança alimentar (GCA, 2019).
As populações mais pobres têm menor acesso a tecnologia (dependendo muito mais da chuva para as suas colheitas, por exemplo), vivem em habitações com construção e condições mais fracas (e frequentemente em áreas mais expostas) e têm menores poupanças, seguros ou proteção social que lhes permita recuperar de um desastre natural. Com o aumento da frequência e intensidade dos fenómenos meteorológicos extremos ligados às alterações climáticas, a sua capacidade de absorver e recuperar dos choques vai sendo progressivamente menor, numa espiral de maior pobreza e, eventualmente, deslocamento forçado.
Desta forma, as alterações climáticas refletem-se, de forma direta e indireta, na disponibilidade de recursos e necessidades básicas como a água potável ou a energia.
Atualmente os maiores emissores de GEE, em valores absolutos são a China, os Estados Unidos e a União Europeia.
A sustentabilidade tem sido associada a um modelo de economia que tem como base o progresso material ilimitado, supondo que ele não compromete os recursos da natureza. É como se nada, nenhuma ação humana alterasse a realidade biofísica do ecossistema em que se encontra inserido o sistema económico. No entanto a sustentabilidade, como substantivo, exige uma mudança de relação com a natureza, a vida e a Terra. A primeira mudança começa com outra visão da realidade.
O princípio de responsabilidade, segundo o qual as futuras gerações devem ter pelo menos as mesmas oportunidades que a atual. Considerando que o conceito de sustentabilidade sugere um legado permanente de uma geração a outra, para que todas possam prover suas necessidades, a sustentabilidade, ou seja, a qualidade daquilo que é sustentável, passa a incorporar o significado de manutenção e conservação permanente dos recursos naturais. Isso exigiria, num primeiro momento, avanços científicos e tecnológicos que ampliem permanentemente a capacidade de utilizar, recuperar e conservar esses recursos, mas, sobretudo com novos conceitos de necessidade humanas para aliviar as pressões da sociedade sobre eles.
A progressiva tomada de consciência por inúmeros setores da sociedade sobre os problemas ambientais, decorrentes dos processos de crescimento e desenvolvimento, originou inicialmente a expressão ecodesenvolvimento, aos poucos substituída por desenvolvimento sustentável, citada em documento produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em 1980. A comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento define desenvolvimento sustentável como aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem suas próprias necessidades.
Neste contexto o decrescimento é proposto como um futuro sustentável da vida em que autolimitação e simplicidade voluntária, da abundância frugal, da reabilitação do espírito da doação e da promoção da convivialidade são a essência desta controversa teoria.
Decrescimento é um termo de uso muito recente no debate económico e social, por vezes associado a crescimento zero, estado estacionário e mais remotamente a desenvolvimento sustentável. A principal ressalva acerca do termo é que, não é um conceito, portanto não é o oposto simétrico do crescimento. O decrescimento não é o crescimento negativo e sim a prosperidade sustentável.
A palavra de ordem decrescimento tem como principal meta enfatizar fortemente o abandono do objetivo do crescimento ilimitado cujo motor não é outro senão a busca do lucro pelos detentores do capital com consequências desastrosas para o meio ambiente e, portanto, para a humanidade. O objetivo é uma sociedade em que se viverá melhor trabalhando e consumindo menos. Trata-se de um slogan político provocador que visa, principalmente, enfatizar a importância de abandonar o objetivo de crescimento pelo crescimento.
Em 1972, o Clube de Roma (MEADOWS et al. 1972) afirmava que a tomada de consciência dos limites materiais do meio ambiente e das consequências trágicas de uma exploração desmedida dos recursos terrestres, torna imprescindível o surgimento de novos modos de pensamento que levem a uma revisão fundamental, tanto do comportamento humano, quanto da estrutura da atual sociedade.
Esta contradição entre um mundo finito em materiais e uma sociedade consumista e de crescimento ilimitado tem sido objeto de abordagem da corrente da economia ecológica, cujo embrião é atribuído a Georgescu-Roegen (1971) e Hermann Daly (1972). A questão está centrada na lógica de mercado que vê a natureza como um fornecedor de capacidade infinita e gratuita.
A prática da educação ambiental da sociedade, é insuficiente, estacionou nos elementos de gestão ambiental, lixo, coleta seletiva, reciclagem, economia de água, energia, poluições.
A questão ambiental e, por consequência a educação é uma questão política e deve ser um caminho para superar o que se chama de falha de perceção social.
A universidade também não está cumprindo o papel que deveria. Ela deixou de ser uma instituição orientadora, que fazia críticas à sociedade, para se converter numa máquina a serviço do mercado.
A universidade é cúmplice de um mundo que ela não aprova. Como é possível educar um economista hoje com livros clássicos que não contêm palavras como ecossistema e natureza? Como é possível aceitar que a economia se considere um sistema fechado, sem nenhuma relação com outros sistemas?
Um economista não pode ignorar o funcionamento do ecossistema.
O modelo económico hegemónico está fundamentado na entrada de recursos da natureza e a inevitável saída de resíduos. Do ponto de vista material a economia transforma bens naturais valiosos em rejeitos que não podem mais ser reutilizados, comprometendo severamente os ecossistemas. A questão central das atividades económicas certamente não é a produção de lixo e sim a felicidade humana, o fluxo imaterial de bem-estar gerado pelo processo.
Segundo Latouche (2012):
“Na passagem da felicidade ao PIB per capita, efetua-se uma tripla redução:
1) a felicidade terrestre é assimilada ao bem-estar material, sendo a matéria concebida na aceção física do termo;
2) o bem-estar material é reduzido ao bem-possuir estatístico, isto é, à quantidade de bens e serviços comerciais adquiridos, produzidos e consumidos;
3) a avaliação da soma dos bens e serviços é calculada de forma bruta, ou seja, sem considerar a perda do patrimônio natural e artificial necessário à sua produção.”
Em síntese, o autor afirma que, com o passar do tempo constatamos que o consumo não faz a felicidade, e que vivemos uma crise de valores. A sociedade dita desenvolvida, da opulência, que se baseia em uma produção massiva, mas também em uma perda de valores.
A proposta do decrescimento é a da autolimitação e simplicidade voluntária, da abundância frugal, da reabilitação do espírito da doação e da promoção da convivialidade
O valor que pode ser atribuído à natureza está em função do modelo de sociedade que se quer construir. A natureza é a condição de possibilidade para a vida humana, e, em tal virtude, seu relacionamento com as sociedades humanas depende da forma como elas se visualizam e se projetam no futuro.
Uma sociedade mercantil sempre considerará natureza como valor e a converterá em parte de suas rendas. Ao mesmo tempo, a natureza será o recetáculo de todos os seus desperdícios, porque não existe nenhuma consideração com respeito a ela que não esteja implícita na noção de valor.
Em sociedades diferentes, em que a noção de valor não existe, a natureza converte-se em uma parte da vida dessa sociedade. A natureza entrelaça-se de tal forma que está presente em cada ação que essa sociedade gera.
Não existe uma separação entre sociedade e natureza. Para repor o equilíbrio entre o homem e o planeta, terão que ocorrer profundas transformações de ordem social e alterar os modos de produção e exploração atuais. Isto obriga a uma consciencialização a nível global da necessidade urgente da mudança dos nossos hábitos de consumo.
Os ativistas ambientais realizaram protestos em vários continentes para pressionar os governos a cumprirem ações que contrariem o aquecimento global. No caso português as reivindicações parecem mais próprias de um partido político, que apenas pretendem mudar os atores em cena para garantir que no essencial nada muda.
O “Extinction Rebellion” (ou XR) um movimento internacional descentralizado e sem afiliação político-partidária que usa a desobediência civil não violenta (na forma de ações diretas) para pressionar governos a responder de forma justa à emergência climática e ecológica, tentando interromper as extinções em massa e minimizar o risco de colapso social. “O movimento conseguiu mobilizar pessoas de todas as idades e teve um crescimento enorme, que assentou na capacidade que a XR teve de fazer quatro exigências ou reivindicações (inicialmente eram três, depois acrescentou-se mais uma):
- “Número um: dizer a verdade e agir de acordo com a verdade, declarando emergência climática e ecológica. Isto é mais direcionado a governos e à imprensa em geral, que, a nosso ver, não estão a responder à crise ecológica e ao nível de gravidade que ela tem.”
- “Número dois: neutralidade carbónica para 2025 — e esta parte já temos noção de que está praticamente perdida — e parar com a perda de biodiversidade, o que para nós, na XR, é um ponto muito importante, uma vez que sentimos que muitas das mudanças estruturais que estão a ser anunciadas pelos governos e pela União Europeia não respeitam este ponto. O que vemos é que o capitalismo se está a tentar reorganizar rapidamente tendo em conta o cenário de crise ecológica, de forma a tentar prolongar-se no tempo para lá do que é possível. E o que temos visto a vir dos gabinetes passa muito pelo “greenwashing” — estamos a ser bombardeados com soluções que não são soluções nenhumas, com opções por medidas altamente extrativistas e destruidoras para a natureza.”
- “Número três: adoção de políticas de maior proximidade, nomeadamente de assembleias de cidadãos, que devem representar uma amostra real da sociedade (ou seja, além de apenas uma representação de partidos). A esta amostra vai ser disponibilizada toda a informação de todos os lados possíveis de cada questão — neste caso, a crise ecológica – e tomará decisões de acordo com essas informações. Nós acreditamos que isto é o que faz mais sentido a nível democrático, até porque não confiamos que o sistema que conduziu a situação até agora (principalmente nos últimos trinta anos) seja capaz de assumir e tomar as decisões difíceis que têm de ser tomadas.”
- “Número quatro: todos estes processos devem ter em conta a interseccionalidade. Devemos ter em conta que estamos a tentar nivelar desequilíbrios que são bastante antigos, que envolvem o patriarcado, o colonialismo, o racismo, e, então, quando estamos a fazer esta amostra e quando estamos a tomar decisões, temos obviamente de nos lembrar de quem já é afetado pela falta de democracia, ou pelos efeitos das alterações climáticas. São precisas políticas que pensem também nas dívidas públicas: existe agora toda uma secção da XR a nível internacional que está dedicada às dívidas dos países do Sul global. Dito de outra forma, esta adenda acrescentou-se às reivindicações da XR para se tentar criar uma maior justiça (o que chamamos transição justa). Esta quarta revindicação foi uma iniciativa da XR dos Estados Unidos, que depois foi aprovada pela XR a nível internacional.”