Democracia participativa

A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e independência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
Artigo 2º da Constituição da República Portuguesa 

Um dos pilares que escolhemos para alicerçar e impulsionar as nossas acções é a democracia participativa. Porquê, não só democracia? O que pretendemos ao acrescentarmos o adjectivo “participativa”?

A democracia define-se como o regime político que assegura a igualdade e liberdade dos cidadãos e um governo de todos, por todos e para todos. Como tudo o que é humano é um produto “inacabado” da história, fruto da procura infindável por uma vida melhor e da luta sem quartel pela igualdade e liberdade entre os homens e mulheres que habitam o planeta em todas as latitudes.

Costumamos associar as origens da democracia à cidade de Atenas, na Grécia, onde os cidadãos livres, então um grupo restrito de homens, eram chamados a tomar as decisões sobre o governo da cidade. Assim, a democracia começou por ser participativa.

Após a Revolução Francesa os ideais iluministas de Liberdade, Igualdade e Fraternidade conquistaram rapidamente a adesão de algumas camadas das populações de alguns países da Europa e alargaram a sua influência aos países das Américas que conquistaram a independência ainda no século XIX (não esquecemos que o esclavagismo perdurou em alguns deles o que contraria, na teoria e na prática, qualquer ideia de democracia). Da mesma forma, encontramos a pujança da democracia participativa nos sovietes, no arranque da revolução russa de Outubro de 1917  Num processo conflituoso, com avanços e recuos a democracia foi fazendo o seu caminho e a sua forma representativa acabou por se afirmar nas opiniões públicas do chamado Ocidente como a que melhor assegurava o governo das nações e que, de várias formas (às vezes, mesmo pela força das armas), tem procurado exportar para outros lados do globo. 

Existe uma tensão permanente entre a participação e a representação que atinge os seus pontos mais altos nos processos revolucionários de mudança, como aconteceu entre nós nos 500 dias de Abril, em que a democracia participativa  imperou, com os extraordinários frutos que se conhecem. Com a normalização e estabilização dos processos políticos resta aos cidadãos a participação de anos a anos, pelo voto, nas eleições dos representantes e alguma participação nas áreas da cultura e social ao nível local.

Temos aqui que fazer uma referência à questão social. Os cidadãos não só querem e devem fazer ouvir a sua voz sobre a forma política, como e por quem vão ser governados, como também querem que essa governação assegure o bem-estar e uma vida digna em sociedade. Há direitos sociais, económicos, culturais e ambientais que, através de uma luta dura e persistente, se foram afirmando nos últimos séculos e que nós, enquanto cidadãos livres, temos de exigir que os nossos representantes e os governos que elegemos assegurem. A ideia de socialismo como projecto de transformação da sociedade, pesando e trazendo à discussão as contradições e erros do que se chamou durante grande parte do século XX de “socialismo real”, deve ser para aqui chamada discutindo, clamando, inventando e lutando por uma democracia socialista, alternativa a uma democracia burguesa.

Muitas vezes utilizamos ou acrescentamos o adjectivo liberal para designarmos alguns sistemas de democracia representativa. No entanto essa designação refere-se fundamentalmente ao desenvolvimento das organizações económicas e financeiras que não está submetido a restrições, tal como os indivíduos têm completa liberdade para estabelecerem contractos entre si sem qualquer interferência do Estado.

O liberalismo na sua actual fase, que designamos de neoliberalismo, tem levado ao extremo esta sua vertente económica, capturando a representação e governação democrática, impondo-lhes as leis e regras do mercado (definidas fora da política) para a decisão política, conquistando ideologicamente os políticos e os programas e máquinas partidárias e, no extremo, corrompendo-os.

Se o conceito de democracia não sofre em geral qualquer contestação, a sua formulação representativa parece viver, nos nossos dias e em quase todas as latitudes, uma crise profunda com cujos sintomas nos confrontamos cada vez com maior frequência e intensidade. Por todo o lado deparamos com referências à incompetência e corrupção dos agentes e instituições políticas, à falta de ética republicana, ao clientelismo partidário, ao baixo nível da discussão política, aos desvios às normas democráticas, ao desinteresse pela coisa pública e à abstenção, situações e factos que estão na base dos sucessos recentes de alguns movimentos populistas e cesaristas.

Estamos descontentes com as nossas democracias, com os representantes e governantes que elegemos. Sentimos que somos cada vez mais afastados da vida política e das suas decisões. Chamam-nos para votar de anos a anos, durante as campanhas eleitorais somos bombardeados pelas mais diversas promessas e, consumado o nosso voto tudo volta ao mesmo, o poder executivo a reboque e a soldo dos grandes interesses, os nossos representantes no poder legislativo sem prestarem contas e, mesmo, o poder judicial a deixar-nos perplexos e duvidosos da sua capacidade para aplicar a justiça com equidade. Queremos que a democracia cumpra as suas promessas e seja capaz de superar as limitações cada vez mais evidentes da democracia representativa. Querermos uma representação política que represente os nossos interesses e não os das elites financeira e das direcções e burocracias partidárias. E terá de ser num quadro de resistência dessa representação política, que não quer perder a sua capacidade de exercício do poder sem qualquer escrutínio popular, que teremos que lutar e para o fazer uma das armas que julgamos possível é desenvolvermos os mecanismos de uma democracia participativa. 

Ao adoptarmos como pilar para a nossa acção a democracia participativa, a forma mais adaptada à necessidade de despertar a alma colectiva das massas (revindicando, simultaneamente a cultura para a colectividade inteira), como afirmava Bento de Jesus Caraça, sabemos bem que será muito difícil operacionalizá-la. Internamente, teremos de a pensar e criar os instrumentos e procedimentos para que os nosso funcionamento, as decisões e as acções que levarmos a cabo sejam realmente o resultado da nossa participação efectiva. Externamente, teremos que quebrar as barreiras que as práticas instaladas nos partidos políticos e nas instituições democráticas representativas ergueram para se furtarem ao controlo dos cidadãos e criar os instrumentos para impor a nossa participação, enquanto cidadãos livres e responsáveis, na vida política.

Ao falarmos em democracia participativa partimos também da constatação que quase nada deste modelo existe no nosso país e que será através da nossa participação que a construiremos. Para além da participação indirecta em associações e organizações comunitárias, profissionais, culturais e outras devemos procurar dinamizar formas de participação directa como assembleias populares, referendos ou iniciativas legislativas, estando sempre atentos aos oportunismos, bloqueamentos e aproveitamentos associados a práticas partidárias tal como as conhecemos.  

Em geral queremos com a democracia participativa:

1 – Que qualquer votação seja antecedida pela participação efectiva de quem vota

2 – Participar na tomada de decisão, não só votando nos nossos representantes, mas também manter abertos mecanismos institucionais que nos permitam entender as decisões políticas, questioná-las mantendo o contacto com os representantes que elegemos;

3 – Acompanhar a execução das decisões, promovendo a organização da sociedade civil e a descentralização do poder político e das instituições;

4 – Criar mecanismos de acompanhamento do cumprimento das promessas eleitorais, de fiscalização das políticas e de intervenção no sentido de seu melhoramento ou mesmo rejeição;

5 – Promover a participação cidadã incentivando a participação popular, nomeadamente, democratizando o acesso à comunicação e à cultura.